‘Caminhos do Frei’ promove mudanças e eleva autoestima de moradores no Centro Antigo

“Hoje sinto que sou capaz de qualquer coisa. Mudei minha postura, me sinto uma pessoa melhor por dentro e por fora. E o melhor: essa transformação atingiu toda a minha família”, conta Karla Antonieta Spencer, de 20 anos, uma das quase 40 alunas de balé do Espaço Cultural Caminhos da Arte, desenvolvido na Comunidade São Vicente, no Centro Histórico de Manaus, pelo Instituto Amazônia há pelo menos um ano.

O espaço é uma das ramificações do projeto social ‘Caminhos do Frei’, que incentiva o desenvolvimento econômico, cultural e educacional aos moradores de uma das áreas mais antiga de Manaus, que durante muitos anos esteve marginalizada e esquecida.

Além da readequação arquitetônica que têm chamado atenção de moradores e de turistas, o Instituto promove oficinas de capacitação em culinária, crochê, pintura, artesanato, aulas de reforço para as crianças, dança de salão, balé e do ventre, teatro e até curso de palhaços de forma gratuita aos moradores da área.

“Também realizamos matrículas para moradores de outros bairros por um valor muito simbólico. Mesmo sendo um preço mínimo, um aluno pagante é capaz de subsidiar três bolsas para os que não tem como pagar. É uma espécie de financiamento social”, explica Jaqueline Ferreira, que coordena o espaço desde a sua criação.

E é através destes empreendedores sociais que a aluna Karla Antonieta conseguiu uma bolsa para estudar balé. A dança sempre foi um sonho da jovem, que foi mãe aos 17 anos e passou por todas as dificuldades de uma gravidez precoce. “Eu ficava assistindo as aulas do lado de fora, quando a professora me notou e viu que eu tinha jeito e presença de palco me chamou para conversar. Passei por uma entrevista, consegui uma bolsa e desde então tenho me dedicado bastante”.

Por conta da disciplina que o balé impõe, a jovem passou a estudar mais e no primeiro ano que fez o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) conseguiu uma bolsa integral para cursar direito. Ela conta, com orgulho e com a autoestima elevada, que esta transformação só foi possível por meio da dança.

“Eu achava que não era capaz por já ter um filho, por ser um pouco mais velha que as outras alunas, ficava angustiada por isso. Mas hoje vejo que tenho talento. Antes do balé eu tinha receio de fazer qualquer coisa. Agora eu até me expresso melhor e sei que esta postura vai me ajudar também na carreira de advogada. Mas meu sonho mesmo é seguir na dança”, ressalta.

A chegada do projeto também mudou a vida da família da universitária, que vive na Rua Frei José dos Inocentes. A mãe dela, Maria do Socorro, aprendeu a fazer bolos de pote, crochê, pinturas e colagem. Hoje ela é uma pequena empreendedora graças às oficinas de capacitação, que buscam dar o empoderamento feminino às mulheres da comunidade.

“Agora temos um meio de geração de renda. Ela recebe encomendas e fica muito feliz em poder trabalhar”, completa Karla. Os filhos e sobrinhos dela também são beneficiados com as aulas de reforço que o Instituto Amazônia realiza.

Do Zona Leste ao Centro Histórico

Ester dos Santos Souza, 18, também têm o sonho de seguir carreira de bailarina. Participando do grupo de dança da igreja em que frequenta, ela nunca imaginou que poderia estudar dança com todo suporte e certificação do Ballet Álvaro Gonçalves, que utiliza a metodologia da Royal Academy Of Dance, uma das melhores do mundo.

“Minha amiga fazia aula no espaço e uma vez pedi para ela me levar para conhecer. Chegando aqui conversei com a assistente social e por não ter como pagar uma aula de dança, consegui uma bolsa. Fiquei tão feliz que me tornei uma aluna dedicada. Saio de casa nos dias de balé (no bairro Nova Floresta, Zona Leste) quase três horas antes do início da aula, que é pra não correr o risco de me atrasar”.

Assim como as demais alunas, ela também se prepara para o vestibular de dança da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), onde a professora Verlene Mesquita, que também tem especialização na Europa, se formou. “Ela é um exemplo, nos incentiva e prepara para a faculdade”.

Valorização da área

Antes do trabalho de requalificação do Centro Histórico muitos moradores evitavam sair de casa. Karla Spencer, por exemplo, passou a infância alimentando a vontade de crescer, arrumar um emprego e sair da comunidade. “A gente nem enxergava essa praça (Dom Pedro II). Tinha muito tráfico de drogas, moradores de ruas e prostituição. Hoje a gente vive um outro cenário. A própria Feira do Paço movimentou a comunidade e trouxe gente de fora para o Centro Antigo”, comenta.

Hoje as crianças brincam nas ruas. Os vizinhos participam das festas de datas comemorativas e todos participam da Feira do Paço, que reúne empreendedores, atividades artísticas e culturais todo segundo domingo do mês. “Tem gente que nunca tinha assistido um espetáculo. Em um ano tivemos uma resposta muito boa da comunidade. As próprias crianças hoje entendem quem elas são, sabem do espaço onde moram e não querem mais sair daqui”, pontua a coordenadora Jaqueline Ferreira, que também é assistente social do projeto.

Para a assistente social, a arte atrai famílias inteiras e, dependendo de como é direcionada, transforma e ainda potencializa o que cada um pode desenvolver como cidadão. “É isso que temos trabalhado na comunidade. Além de preencher o tempo das crianças, trabalhamos com os conceitos para fazer as mudanças reais na vida delas. Eles passaram a se aceitar, ter consciência de espaço e reconhecimento de onde moram”, conclui Jaqueline.

Texto: Luana Carvalho

Fotos: Thiago Fernandes

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