Mudança climática pode ser causa de queda na safra de castanha-do-pará
Comprar castanha-do-pará para as festas de fim de ano será tarefa mais difícil em 2017. “Não deu castanha. De 500 toneladas de uma safra razoável, não chegou a cinco neste ano. Muito, muito, muito fraco”, diz Marcelo Salazar, sobre a área em que trabalha. Ele é coordenador-adjunto do programa Xingu em Altamira, do ISA (Instituto Socioambiental).
Não foi um sumiço pontual: segundo a Embrapa, a queda não tem precedentes por ter atingido toda a área e produção -de uma safra para outra, a redução foi de 70%. “Foi uma queda muito brusca, todo o mundo sentiu, porque o mercado ficou procurando -e não tinha”, diz a pesquisadora Lúcia Wadt.
Variações na safra de castanha-do-pará são comuns. Anos de alta produtividade são seguidos por anos de baixa. Mas não como neste 2017. E o problema: não se sabe, por ora, a causa dessa queda.
Cláudio Maretti, diretor do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), lista e descarta algumas hipóteses: teriam as castanheiras sido superexploradas e parado de produzir frutos? “Isso se mede em décadas, não de um ano para o outro.”
Falta de recursos para a exploração? “Não é o caso, a castanha está dando um bom preço e é uma das atividades principais dos extrativistas.” O mais provável é que a causa seja a mudança climática.
Dúvida igual paira sobre o cumaru, planta usada em cosméticos e na cozinha, que também quase não deu, de acordo com Salazar.
Segundo a Firmenich, empresa de aromas e fragrâncias, a safra realmente foi menor, mas sem estudos de longa duração não dá para dizer se isso se deve ao ciclo produtivo da planta ou ao clima.
Alterações climáticas são particularmente duras com a castanha, pois entre a geração e a maturação passa-se um ano. “É diferente de um caju ou de um limão, que têm ciclos de produção um pouco mais curtos e reagem de formas diferentes a mudanças mais sistêmicas”, diz Salazar.
Quando as flores que deram origem aos frutos dessa safra estavam se formando, no fim de 2015, a região enfrentou uma seca severa e prolongada -cujos efeitos foram sentidos agora.
Castanheira, que pode chegar a 50 metros de altura
DESABASTECIMENTO
Empresas que utilizam pequenas quantidades do insumo não sentiram a quebra de safra neste ano, pois tinham estoque, como a Lush -ela emprega óleo de castanha em alguns produtos de beleza.
Situação diferente da Beraca, que produz ingredientes para cosméticos. Segundo Érica Pereira, da área de sustentabilidade da empresa, a produção já havia apresentado uma diminuição no ano anterior.
“A castanha passou a ter um preço muito alto no mercado, e isso refletiu nos custos de produção ao longo de toda a cadeia.” Para suprir a demanda, a empresa expandiu a rede de fornecedores.
Estratégia igual foi adotada pela indústria de alimentos Wickbold. “O reajuste em relação ao preço médio pago em 2016 foi de mais de 90%, e também tivemos dificuldades no abastecimento”, diz o gerente de marketing, Pedro Wickbold. A empresa também intensificou o contato com extrativistas na região da Terra do Meio, no Xingu.
“Compramos uma parcela significativa do que é extraído por lá. Nossa presença é importante não só pela efetividade dessa relação de compra e venda, mas para equalizar o preço da safra em um patamar justo que traga motivação para os extrativistas”.
Da mesma forma que depende do ambiente, o extrativismo acaba por ajudar a conservá-lo, diz Maretti, do ICMBio. As populações tradicionais utilizam a floresta de modo sustentável e, ao ocupar o espaço, inibem a ação de madeireiros, por exemplo.
E, se a coleta de castanhas diminui, quem vive de extrativismo pode ter de buscar seu sustento de forma não sustentável -ampliando a área de roça, pescando mais do que o adequado.
“Valorizando o trabalho dos extrativistas, a presença dos ribeirinhos se fortalece e, consequentemente, evita-se a ocupação das terras para outros fins”, diz Wickbold.
Para atender as exigências do mercado de alimentos, com demanda mais estável que a de cosméticos, extrativistas têm de investir na qualidade do produto. “A gente viu que teria que trabalhar com boas práticas de manejo -armazenagem correta, transporte correto”, diz Adriano Jerozolimski, coordenador-executivo da Associação Floresta Protegida, que trabalha com 22 comunidades de índios kayapó.
PLANTA DOMESTICADA
Cultivar castanheiras não é fácil: são árvores que chegam a 50 metros de altura e não podem ser plantadas perto de casas, levam de uma década a 15 anos para começar a produzir comercialmente.
Assim, a representatividade da castanha-do-pará plantada é pequena: Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa, estima que seja entre 3% e 5% da produção. Só extrativismo, porém, pode não dar conta da demanda. “As indústrias extrativistas vão ficar cada vez mais vulneráveis às flutuações climáticas”, diz Luis Fernando Laranja, sócio da Ouro Verde Amazônia.
Autor do livro “A Castanha do Pará na Amazônia: Entre o Extrativismo e a Domesticação”, o historiador José Jonas Almeida sugere plantio em áreas desmatadas, como no sudeste do Pará. “Você pode reocupar essas terras com castanha, o produto da região. E onde a floresta é mantida continua o extrativismo.”
Homma aponta caminho semelhante. “Quando a demanda cresce, o setor extrativo não tem condições de acompanhar.” Domesticar a planta, afirma, é natural -ninguém compra hoje maçãs ou limões de extrativismo.
Com investimento pesado em pesquisa, diz Homma, será possível reduzir a altura da árvore e fazer com que ela cresça mais rápido. “Acho que, futuramente, vamos plantar castanheira como se fosse mangueira.”
Por: Fernanda Reis
Fonte: Folha de São Paulo