Madeireiro por 20 anos, ribeirinho troca motosserra por turismo na Amazônia
O ribeirinho Roberto de Mendonça, 42, era da terceira geração de madeireiros de sua família. Há sete anos, abandonou o ramo para investir em turismo na floresta amazônica. Atualmente, ele tem uma pousada com oito quartos em Tumbira, comunidade à beira do rio Negro, a cerca de 120 km de Manaus.
Eu comecei a cortar madeira aos 12 anos. São três gerações de madeireiros na minha família: meu avô, meu pai e eu. Hoje, tenho orgulho de dizer que meus filhos nunca derrubaram uma madeira.
O que eu mais derrubava nessa vida era itaúba e tumaru. Mas tirava de tudo. Era de 40 metros para baixo; carregava até 100 kg nas costas. Meu avô e meu pai usavam muito machado e serrotão. Tinha que ficar em dois para cortar a árvore. Eu já comecei com a motosserra. Mesmo assim, era um serviço duro, bem suado. Eu fazia com amor, porque era a única coisa que tinha e que eu sabia fazer.
Eu falava que nunca ia parar de tirar madeira, porque eu gostava de estar no meio do mato. Entrava na segunda-feira no igarapé e só voltava no sábado. Acampava lá; deixava minha mulher, meus filhos. Porque se eu voltasse para casa, perdia muito tempo; eram duas, três horas de caminhada. E era mata primária, mesmo, direto com o curupira [risos]. Nunca vi, não, mas escutei muito sobre ele.
Eu era muito revoltado com o governo naquela época. Aqui na comunidade, 90% era madeireiro. Imagina você ficar cinco dias dentro do mato, muitas vezes sem comer, sem nada. Nós mesmos que fazíamos o escoamento da madeira, num barquinho. Daí, ali na frente, às 2h, 3h da madrugada, o cara do Ibama chegava e “pá, você está preso”. A gente pagava o pato.
De máquina, só tínhamos uma motosserra. E as madeireiras tinham trator, corrente, faziam uma derrubada imensa. Só que ninguém diferenciava os grandes madeireiros do cara que estava sobrevivendo ali. Essa era a minha maior revolta. Ninguém nunca trouxe alternativa. O governo pegava grandes madeireiras, também —mas, para quem tem dinheiro, tudo é fácil.
Na época, a gente pensava: não, eu não estou ajudando no desmatamento. Mas estava. Hoje somos 600 e poucas famílias na reserva. Imagina se cada família dessas derrubasse uma árvore por dia. Todo dia, seriam 600 árvores. Em um ano, você não faria um grande desmatamento? Por isso que a madeira não tem futuro.
Quando vieram falar de turismo para mim, eu pensei: mas como vou fazer isso? Achava que era mais uma leseira baré. Eu estou no mato, não sei nem conversar direito com as pessoas. Eu achava que vocês, que não são de comunidade, fossem totalmente diferentes. Mas foi recebendo que eu percebi que somos iguais.
Não tinha quase nada de turismo aqui nessa região. Estava bem cru mesmo. Passei um ano trabalhando um pouco na pousada, um pouco no mato, ainda tirando madeira. Depois eu parei totalmente.
Para a comunidade, é muito bom. Além de trazer renda, traz conhecimento. Muitos comunitários viveram cem anos e nunca tiveram nem um pouquinho de conhecimento. Por isso é que continuam fazendo as coisas erradas.
O turista vivencia a comunidade, vai para o mato. Tem centenas de trilhas onde eu tirava madeira. Eu levo esses caras lá dentro, para ver a realidade da mata. E você nem percebe mais que foi tirado madeira. A natureza está se regenerando.
Nós já temos quatro famílias com pousadas na comunidade. Eu me comunico com os turistas por WhatsApp. Se antes minha ferramenta de trabalho era a motosserra, hoje é a beleza natural.
Já faz sete anos que parei de tirar madeira. Eu tinha muito medo de parar, mas o turismo é uma alternativa muito boa para mim e para a comunidade também.
Meu avô e meu pai eram analfabetos. Eu estudei até a quarta série. Hoje, meus filhos têm o ensino médio completo. Um está pensando em fazer faculdade de engenharia florestal; o outro, gastronomia. A minha filha quer fazer administração ou economia. O sonho é, um dia, ter um curso superior dentro da reserva.
Hoje, a renda que tenho com o turismo empata com a da madeira, mas com uma vantagem: eu sei que trabalho legalmente.
Eu gostava muito de fazer isso, mas hoje não. Não tenho mais coragem de derrubar madeira, não.
Fonte: Folha de São Paulo – Cotidiano – Estelita Hass Carazzai
Foto: Bruno Santos/Folhapres